terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


Não precisa ser lido, ele já morreu

Eu ia escrever sobre um homem prestes a pular de um prédio para a morte no calçadão duzentos metros abaixo. Ele teria boas razões para isso. Estaria também a olhar a foto de uma garota. Uma filha? A esposa? Talvez a amante? Eu parei. Não porque eu tenha dificuldades em dizer os motivos que o levaram a pensar nisso, posso inventá-los e depois pô-los em ordem alfabética. O meu empecilho está entre o momento em que ele olhou para baixo, exalou um último suspiro profundo injetando oxigênio nos pulmões quase como se ele fosse água e ele estivesse com sede, até aquele terrível segundo em que suas pernas balançaram no ar e logo depois o tronco, os braços, a cabeça em um grito preso. Estou me referindo naquele espaço curto de tempo que parece durar a vida toda. Escrever é difícil. Chega a ser uma espécie de masoquismo. Mas eu não queria fazer desse conto um uma nuvem para meus devaneios. Foi o que veio e como palavras são difíceis de me acharem então me agarrei a estas na esperança de sair algo depois de meses estagnada em uma única história. É bom, muito bom na verdade. Estou sorrindo enquanto escrevo isso. Penso no homem do prédio. Ele ainda espera que eu descida sobre a sua morte. Agora não! eu lhe digo. Espere mais um pouco. Tu acabaras de nascer de algum canto escuro (ou bem iluminado) da minha mente, podes esperar mais um pouco! Em breve volto a ti, eu acho... Ora, por que choras? Jogue-se de uma vez então! Já se jogou?! Ah sim, é mesmo. Pois deixe-me em paz por enquanto. Quero narrar a tua queda. A queda foi lenta, (ou sou eu querendo prolongar o seu sofrimento?) O homem a viu. Ora, a Morte não tinha um rosto assim tão feio. Chegava a ser consolador para o coitado. Bem, se isso acontece é porque quero que seja assim. Olhe, outro fato sobre escrever: você é rei ou rainha de um mundo só seu, mas o castelo que constrói é o próprio monarca, portanto, é de se presumir que o reinada equivalha a soberania e poder do rei. O meu reinado ainda não tem dimensões (e nem pretendo ter algum dia), pois ele continua sempre a crescer e isso me limitaria. Seria um trabalho interessante verificar isso, mas minha energia está concentrada na tarefa de construí-lo e só. Qualquer coisa a mais e eu estaria a perder tempo, pelo menos é o que eu acho momentaneamente. Também estou a verificar outros reinados, construídos por outros escritores. Reis e rainhas de longas datas ou mesmo iniciantes. É uma tarefa interessante, me dispendia bastante tempo, mas é muito enriquecedor. Compare a leitura como uma espécie de saque (mas sem saldo negativo para ninguém ) a um castelo. Poxa, você ainda está ai? E está caindo? Sim, eu já sabia! Pois bem, então que isso chegue ao fim.  O homem finalmente se esborracha no chão e o seu espirito vem me gritar que eu poderia ser mais profunda e poética em minhas palavras, afinal, ele morreu e isso merecia uma maior atenção da minha parte. Então eu lhe digo: Mas não fui eu que me suicidei. Agora aguente as consequências, meu filho, por que quem manda aqui, sou eu.